CINZAS DA INQUISIÇÃO
1. Até agora fingíamos
que a Inquisição era um episódio da história europeia, que tendo durado do
século XII ao século XIX, nada tinha a ver com o Brasil. No máximo, se
prestássemos muita atenção, íamos falar de um certo Antônio José – o Judeu, um português
de origem brasileira, que foi queimado porque andou escrevendo umas peças de
teatro.
2.
Mas não dá mais para escamotear. Acabou de se realizar um congresso que começou
em Lisboa, continuou em São Paulo e Rio, reavaliando a Inquisição. O ideal
seria que esse congresso tivesse se desdobrado por todas as capitais do país,
por todas as cidades, que tivesse merecido mais atenção da televisão e tivesse
sacudido a consciência dos brasileiros do Oiapoque ao Chuí, mostrando àqueles
que não podem ler jornais nem frequentar as discussões universitárias o que foi
um dos períodos mais tenebrosos da história do Ocidente. Mas mostrar isso, não
por prazer sadomasoquista, e sim para reforçar os ideais de dignidade humana e
melhorar a debilitada consciência histórica nacional.
3.
Calar a história da Inquisição, como ainda querem alguns, em nada ajuda a
história das instituições e países. Ao contrário, isto pode ser ainda um
resquício inquisitorial. E no caso brasileiro essa reavaliação é inestimável,
porque somos uma cultura que finge viver fora da história.
4.
Por outro lado, estamos vivendo um momento privilegiao em termos de
recons-trução da consciência histórica. Se neste ano (1987) foi possível passar
a limpo a Inquisição, no ano que vem será necessário refazer a história do
negro em nosso país, a propósito dos cem anos da libertação dos escravos. E no
ano seguinte, 1989, deveríamos nos concentrar para rever a “república”
decretada por Deodoro. Os próximos dois anos poderiam se converter em um
intenso período de pesquisas, discussões e mapeamento de nossa silenciosa
história. Universidades, fundações de pesquisa e os meios de comunicação
deveriam se preparar para participar desse projeto arqueológico, convocando a
todos: “Libertem de novo os escravos”, “proclamem de novo a República”.
5.
Fazer história é fazer falar o passado e o presente, criando ecos para o
futuro.
6. História é o
anti-silêncio. É o ruído emergente das lutas, angústias, sonhos, frus-tações.
Para o pesquisador, o silêncio da história oficial é um silêncio ensurdecedor.
Quando penetra nos arquivos da consciência nacional, os dados e os feitos
berram, clamam, gritam, sangram pelas prateleiras. Engana-se, portanto, quem
julga que os arquivos são lugares de poeira e mofo. Ali está pulsando algo.
Como um vulcão aparentemente adormecido, ali algo quer emergir. E emerge. Cedo
ou tarde. Não se destrói totalmente qualquer documentação. Sempre vai sobrar um
herege que não foi queimado, um judeu que escapou ao campo de concentração, um
dissidente que sobreviveu aostrabalhos forçados na Sibéria. De nada adiantou àquele imperador chinês ter
queimado todos os li-vros e ter decretado que a história começasse por ele.
7.
A história começa com cada um de nós, apesar dos reis e das inquisições.
(SANT’ANNA, Affonso R. de. A
raiz quadrada do absurdo. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1989)
1. Tendo em vista o desenvolvimento do
texto, assinale a opção que justifica o título “Cinzas da Inquisição”:
a. ( ) A Inquisição se
transformou em cinzas e deve ser arquivada.
b. ( ) A valorização da
dignidade do ser humano é ponto básico da história da Inquisição.
c. ( ) A Inquisição deixou
marcas que devem levar a uma reflexão.
d. ( ) A discussão dos
fatos relacionados à Inquisição tem se mostrado infrutífera.
e. ( ) A lembrança dos
fatos da Inquisição não conseguiu melhorar o futuro.
2. Assinale a opção em que há erro na
relação entre a ideia e o parágrafo indicado entre parenteses:
a. ( ) Os brasileiros
supunham que a Inquisição pertencesse somente à história da Europa. (1º
parágrafo)
b. ( ) Foi realizado um
congresso com o intuito de reavaliar a Inquisição. (2º parágrafo)
c. ( ) A História
estabelece relações entre o passado e o futuro. (3º parágrafo)
d. ( ) O momento é propício
para fazermos uma reflexão sobre importantes fatos de nossa história. (4º
parágrafo)
e. ( ) A história tem sua
força própria, ela grita e aparece, apesar de todos os obstáculos. (6º
parágrafo)
3. Com relação aos cem anos da
libertação dos escravos e aos cem anos da Proclamação da República, pode-se
afirmar, de acordo com o texto, que:
a. ( ) é necessário
comemorar as várias conquistas feitas ao longo desses anos.
b. ( ) tanto a libertação
dos escravos quanto a Proclamação da República precisam ser revistas e
repensadas.
c. ( ) têm sido convocados
mais pesquisadores para estudar esse período de nossa história.
d. ( ) esses assuntos vêm
sendo constantemente abordados nas universidades brasileiras.
e. ( ) o governo deve dar a
essas datas históricas a mesma importância que dá a outras.
4. O paradoxo da expressão “um silêncio
ensurdecedor” indica que o silêncio:
a. ( ) provoca alienação e
torpor
b. ( ) leva à paralisação e
à inércia
c. ( ) gera atos de
violência e loucura
d. ( ) atordoa e aflige
e. ( ) causa temor e
respeito
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Gabarito:
1.
C 2.
C 3.
B 4. D
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